Bonga - O percurso de um artista africano singular
Dulce Araújo - Vatican News
Arranca nesta quinta-feira, 10 de abril de 2025, à noite, na capital cabo-verdiana, a 14ª edição do Kriol Jazz Festival. Três dias de “boa música” em que vão “surpreender com vários artistas” de várias partes do mundo, garante o organizador, José da Silva, da produtora musical Harmonia, convidando todos a participar porque, diz, “vai ser excecional”. Na conversa, solicitamo-lo a falar da relação entre o Kriol Jazz Festival e o AME, Atlantic Music Expo, que teve a sua 11ª edição de 1 a 10 de abril, na cidade da Praia, e que tem como missão reunir profisionais da indústria musical de todo o mundo, com foco especial nos mercados africanos, europeus e latino-americanos.
De entre os artistas do Kriol Jazz Festival 2025, nomes nacionais, como Mário Lúcio; Nancy Vieira; mas também Sona Jobarteh, exímia tocadora gambiana de Kora, instrumento da África Ocidental antes reservado aos homens; Bonga, de Angola; a cantora de gospel, americana, Michelle David, e ainda grupos como Sixun, da França, Cabo Cuba Jazz (Holanda /Cuba/Cabo Verde), ou Kriol-Kréyol (Cabo Verde, Martinica, Guadalupe) que animará o serão de abertura. Ao todo, dez artistas de oito países para um Festival, cujo fio condutor, é a criolidade - explica José da Silva que revela outros aspectos desta edição do Festival, a ouvir no programa "África em Clave Cultural: personagens e eventos.
Nele se poderá ouvir também a crónica de Filinto Elísio (Rosa de Porcelana Editora), sobre o singular percurso de Bonga, enquanto que Filomeno Lopes fala do livro, Bonga Kwenda: Combatente da Liberdade, publicado em 2013 pela Harmattan e em que ele enaltece a figura de Bonga como combatente pela liberdade através da música, levando assim a refletir sobre o conceito de combatente da liberdade que, a seu ver, não pode ser restringido a quem esteve no mato de armas em punho.
Não faltam palavras do próprio Bonga que cultiva, desde os tempos da luta de libertação, uma profícua relação musical e de amizade com cabo-verdianos e se sente, por conseguinte, feliz por poder ir a Cabo Verde reviver esse passado e cantar.
Confira tudo na emissão aqui disponível:
Crónica (Filinto Elísio - Rosa de Porcelana Editora)
"Bonga - O percurso de um artista africano singular
Bonga é uma das grandes personalidades da música angolana e africana. Versátil e dono de uma voz única, ele circula por vários géneros musicais angolanos como a semba e o quizomba, com incursões de outras músicas africanas como a coladeira e a morna de Cabo Verde.
Bonga nasceu a 5 de Setembro de 1942, em Kipiri, na província do Bengo e foi batizado Barceló de Carvalho. Terceiro filho de Pedro Moreira de Carvalho e de Ana Raquel, de entre nove irmãos.
A sua infância foi passada na cidade de Luanda, nos bairros Coqueiros, Ingombota, Bairro Operário, Rangel e Marçal, uma periferia onde proliferavam as músicas e tradições angolanas.
Cedo teve fascínio pelas músicas dos bairros. Foi no bairro do Marçal que, ainda adolescente, fundou o grupo “Kissueia”. Barceló resolve criar o seu próprio estilo musical, baseado na singularidade da cultura angolana,
Entretanto, durante a juventude, Barceló foi um grande atleta, sobretudo na modalidade de corridas. Começou oficialmente a correr no S. Paulo do Bairro Operário, rotulado pejorativamente como o “club dos pretos”. Depois, afiliou-se ao Clube Atlético de Luanda.
Em 1966, com 23 anos de idade, depois de ter alcançado os maiores títulos de Angola em 100, 200, e 400m, parte para Portugal e integra-se no Sport Lisboa e Benfica. Torna-se um semiprofissional de atletismo. Nesse período, chega a ser campeão e permanente recordista de atletismo.
Barceló tinha ideias e atividades de nacionalista angolano, o que o obriga a ações clandestinas. O estatuto de estrela portuguesa de Barceló de Carvalho permitiu-lhe a rara liberdade de movimentos, que utilizou – sob o nome de Bonga Kwenda – para transmitir mensagens entre combatentes africanos pró-independência exilados e compatriotas ainda em Angola.
Estava ligado aos movimentos independentistas das ex-colónias portuguesas. Por este motivo é obrigado a sair de Portugal e refugiar-se nos Países Baixos, onde em 1972, lança o seu primeiro álbum “Angola 72”, onde canta a revolução e o disco é proibido em Portugal e Angola, pela sua ressonância política e consciência crítica. Adota o nome artístico de Bonga.
Com o 25 de abril de 1974, Bonga lança o álbum “Angola 74”. Nos anos 80, torna-se uma figura de referência internacional, enquanto desenvolve uma consciência crítica relativamente aos novos poderes em Angola.
Ao longo da sua carreira, Bonga recebeu inúmeros prémios e homenagens, assim como distinções, medalhas e discos de ouro e de platina, e construiu um portfolio de mais de 300 composições, 32 álbuns gravados, videoclipes, bandas sonoras de filmes e músicas reeditadas em todo mundo. Foi-lhe outorgado a medalha de “Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras” pelo governo francês."
Cinquentenário das independencias
Enquanto combatente pela libertação das então colónias portuguesas, na entrevista que nos concedeu antes de rumar para o Kriol Jazz Festival, Bonga, solicitado a falar desse período de luta e do espírito com que encara este cinquentenário da independência, disse que na altura não esperavam que tudo viria a descambar em lutas entre irmãos e democracias mal atuadas, e que hoje, a prioridade é reflectir juntos, "kotas" e jovens, sobre como construir, no dialogo, uma vida digna para todos os angolanos. A prioridade é o progresso do país, não "kizombadas" e outras danças.
Aqui fica a conversa na íntegra:
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